O Humor, o Verão e o Amor!

― Nada melhor do que o verão para contribuir com os hormônios de “achados e procurados”! ― falou Joaquim animado.

― Porque “perdidos”, para variar, estão todos!

― Deixa de ser ranzinza, Asdrúbal. Os humanos são ótimos, movimentam tudo com seus pezinhos chutando a água pra lá e pra cá enquanto caminham, cavam seus buracos na areia, mergulham, furam as ondas e se encontram conosco aqui embaixo.

― É, e quase pisam em nós.

― Que é isso! Você é exagerado, Asdrúbal. Eles só querem se divertir. Durante o dia é aquele remelexo de um lado para o outro, eles se cruzam entre as caminhadas à beira-mar ou se encontram no frescobol, tomam sorvete, água de coco, e é um bate- papo danado. Cruzam olhares, trocam sorrisos, analisam o material e se a liga bater: pimba! A noite está feita.

― E mais uma vez vêm atrapalhar o nosso sono.

― Mas que coisa, Asdrúbal! É como se fosse um filme com continuação. Está certo que nem sempre tem um final feliz, pois o ânimo do início do dia, nem sempre tem a continuação esperada à noite. Às vezes brigam, mas não é por muito tempo, pois ao invés de ir chorar no travesseiro, vão afogar as mágoas em algum quiosque, afinal, é verão! E “bora” curtir a noite, iuhuu!

― O que é isso, “iuhuu”?    

   ― É uma interjeição de ânimo, de felicidade, de animação. Você não está acostumado com isso, não é, Asdrúbal?

― Não, não. Não costumo ser animado. E ainda temos que contar com a nossa falta de sorte, já que eles voltam do quiosque com nova companhia aqui para a praia, me acordando de novo.

― Você só vê o mal, Asdrúbal. Aí é que é gostoso, porque é como se fosse a sequência de uma película: “A caçada de verão 2”, ou 3, ou ainda, 23, dependendo de como forem as tratativas. Nada como os desejos e atrativos veranis.

― Você vê muita beleza no incômodo, Joaquim.

― É nada, Asdrúbal! É que sou jovem como eles, minha cor é tão chamativa quanto aqueles corpos bonitos que ficam se expondo nas areias durante todos os dias desses meses quentes e úmidos. Os humanos causam movimentos, eles se amam de todas as maneiras e no verão, então, esse amor está mais florescido.

― Prefiro procurar águas frias, assim eles ficam em casa e eu livre deles.

― Credo, Asdrúbal, sua rabugice alcança o inverno antes do tempo! No verão sempre temos companhia, os humanos são alegres e felizes, enquanto você fica com esses seus espinhos cinzas e sem graça.

Depois de um silêncio mal-humorado de Asdrúbal, Conchinha chegou animada:

― Ui! Acabei chegando aqui depois de um tempo perdida lá na praia. Graças a um “humanozinho” que me pegou com suas mãos gordinhas e, como não me achou suficientemente bonita para fazer parte da sua coleção, me largou no rastro de uma ondinha que estava se destinando para cá. Peguei carona e aqui estou! Como vão vocês meninos?

― Conchinha! Que bom ver você! Sorte nossa que não te quiseram para a coleção, assim ficaríamos privados da sua companhia.

― Obrigada, Joaquim! Também estou feliz em vê-los novamente.

― Mas, pelo menos, você ficaria tranquila, deitada num vidro claro e bonito, no meio da sala deles, sem ninguém lhe incomodar.

― Asdrúbal, você ainda não parou com essa ideia de ficar sempre quieto e reclamando? Parece que você está com mais espinhos do que antes. Será possível?

― Claro que é possível, Conchinha! Ele não para de reclamar, e quanto mais reclama, mais nascem espinhos.

― E eu acho ótimo, assim poucos humanos se aproximam de mim e eu posso ficar tranquilo aqui embaixo bem afofado na areia úmida. Em paz!

― Mas desse jeito você vai acabar machucando-os. Você está muito próximo da praia, tem muitos humanos, o verão os trouxe aos montes. Você não acha, Kim?

“Ela me chamou de Kim, de JoaKim! Isso demonstra intimidade”, pensou, sorrindo, o peixe laranjinha.

― Sim, sim — disse nervoso e gaguejando. ― Já que é para ficar tranquilo, Asdrúbal, volte lá para o fundo.

― Não consigo, — resmungou Asdrúbal — já tentei inúmeras vezes, mas desde que dona Baliene veio toda prosa um tempo atrás, movimentando muito as águas, me trouxe junto, por engano, e agora não consigo sair daqui! Estou arrasado!   

   ― Será que temos como ajudá-lo? — perguntou Conchinha.

― Não sei não — disse Kim. — Asdrúbal, você é grande e eu não consigo com você sozinho e nem Conchinha, que apesar de sua casca dura e firme, é pequena para tirar você daí.

― Eu sei! Já dei por conta de que esse será o meu fim, ficarei aqui para sempre. — Finalizou, revoltado, aquele ouriço rabugento.

― Asdrúbal, e se você passasse a gostar do verão, poderia tomar cada vez mais sol, seus espinhos poderiam secar e quebrar, assim não ficaria tão pesado ser você — argumentou Conchinha.

― Mas, para isso, eu precisaria gostar dos humanos, e eu não gosto!

― Por quê? Eles são tão divertidos, não são, Kim? Ainda mais no verão.

― Já cansei de falar isso, mas ele não entende.

― Ah, o verão!!! — suspiraram juntos Kim e Conchinha.

― Ui! — disse Conchinha, com seu jeito peculiar. — Falamos juntos, Kim!

― Verdade! — disse Kim, ainda mais laranja de vergonha.

― Os humanos dizem que isso dá em parentesco — disse Asdrúbal.

Ambos se olharam envergonhados.

― Você acha, Conchinha?

― Ui! Eu acho, olhando com carinho para suas

escamas coloridas.

― Estou dizendo, vocês deveriam se casar —

resmungou Asdrúbal.

― Tive uma ideia, Kim. Vamos fazer assim: eu

viro de costas convexas para Asdrúbal, me colocando entre a areia e ele, como se fosse uma alavanca. — Iniciou Conchinha.

― Vou te machucar, Conchinha. — Cortou Asdrúbal, preocupado.

― Calma, Asdrúbal, a minha parte convexa tem ranhuras e aguenta mais os seus espinhos que as escamas de Kim. — E, olhando para Kim, continuou: — E você pega impulso de longe, vem bem rápido e se encaixa em minha parte côncava. — E, parando meio envergonhada, olhou para Kim, que estava animado com a ideia, olhando de volta todo embaraçado.

― Bom, continuando — disse Conchinha. — Você vem rápido, se encaixa em mim e eu, como alavanca, tiro Asdrúbal do encaixe da areia molhada, assim ele consegue pegar uma corrente e ir embora para outro lugar.

― Gostei da ideia — disse Asdrúbal. — Mas será que vai dar certo?

― Não custa tentar, pelo menos você ficará mais feliz — disse Kim.

E assim se fez. Conchinha preparou-se para as dores que sentiria e foi cavocando entre a areia e os espinhos de Asdrúbal. Quando enfim se ajeitou, gritou:

― Vem Kim, pode vir!

E Kim, que já tinha ido para o lado oposto de onde estavam Asdrúbal e Conchinha, movido pela empolgação do momento de se unir a ela, que estava lhe esperando com todo carinho, e ajudar seu amigo, chegou ao seu ponto de partida, a quilômetros de distância de onde os dois amigos estavam à sua espera. Ficou à espreita, esperou a onda certa como se fosse um surfista em competição e, ajeitando-se, como que por instinto, partiu. Veio pegando todo o impulso que precisava e gritou:

    ― Estou indo, meu amor, me espere! — falou sem pensar, mas quando viu já tinha dito. Era puro instinto mesmo.

No caminho foi imaginando ele e Conchinha vivendo uma história de amor, que ela poderia agradá-lo à noite e ele poderia dormir bem aconchegado nela, ambos se aquecendo e curtindo a brisa do fundo do mar, quando algum peixão passasse e movimentasse o ambiente. Que delícia!

Esse pensamento lhe dava ânimo, sagacidade, rapidez e velocidade e, como se pegasse uma força fora de si, fez um encaixe perfeito na concavidade de Conchinha que virou os olhos de paixão por Kim, o seu amado.

Com o plano elaborado por seus amigos em ação e muito bem executado, Asdrúbal se destacou da areia molhada e conseguiu dar um salto que o fez cair quase à beira-mar.

― Iuhuuuu! — gritou Asdrúbal enquanto fazia a viagem pelas águas, sem tocar em nada, apenas deslizando a favor da maré, como se “pegasse um jacaré”.

E ambos os amigos gritaram:

― Vai com Deus, Asdrúbal. Divirta-se na sua vida!

― Acho que vim para o lado errado! — gritou Asdrúbal.

― É verdade — disse Conchinha. — E agora?

Ambos, dirigindo-se ao caminho do amigo itinerante, chegaram atrasados para refazer o plano, um humano grande e com a mão maior ainda pegou Asdrúbal num súbito, dizendo:

― É muito perigoso esse ouriço na água, vou deixá-lo nessa pedra para se aquecer e quebrar seus espinhos naturalmente, longe de nossos pés.       

  Conchinha e Kim, ouvindo isso, dirigiram-se para a pedra mais próxima do mar e lá ficaram esperando o humano deixar Asdrúbal para que eles pudessem pensar no que fazer.

Devidamente ajeitado pelo humano, Asdrúbal sentiu-se confortável, bem no canto de uma rocha. Era um lugar quente e tranquilo.

― Onde estou? Que delícia de lugar — falou Asdrúbal.

― Olá! Meu nome é Pedra da Encosta e estava esperando que hoje, enfim, encontraria alguém que me admirasse, porque apesar de ser grande, sou uma moça muito delicada e sozinha.

E Asdrúbal, como que apaixonado, de repente disse:

― Você não é grande, é perfeita para mim, e está tão quentinha que me sinto em casa. Prazer, eu sou Asdrúbal e fui enviado para admirar você e sua base quente e confortável.

― Quem foi que o trouxe aqui, Asdrúbal? — perguntou Pedra da Encosta.

― Foram os humanos maravilhosos que vieram desfrutar da melhor estação do ano e me colocaram aqui, com toda delicadeza, para te conhecer. Podemos nos conhecer melhor? — perguntou Asdrúbal.

― Claro, acho que estou aqui há muitos séculos a te esperar. Bem-vindo ao nosso melhor verão.

― Ah! Eu adoro o verão — disse Asdrúbal, pela primeira vez na vida.

E, achando terem cumprido mais do que a missão original, Conchinha e Kim voltaram a fazer seu caminho pelo mar, enquanto ele a guiava durante o dia, ela o aconchegava durante a noite, aproveitando as cenas, tanto diurnas como noturnas, que aquela estação do amor lhes proporcionava.

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