A CORAGEM DE EXISTIR

O que dizer do Outono se não uma estação atrevida que chega muitas vezes sem ser convidado, apenas para estragar a festa do Verão que divertia a todos de maneira tão animada.

Há de se considerar a coragem da estação das folhas secas, que além de destruir a alegria quente da anterior, ainda prenuncia a chegada daquela que, faz exatamente ao contrário, trazendo certo pânico e medo, colocando todos para dentro de suas casas, de suas roupas, de seus gorros e cachecóis.

Até os pés ficam trancados dentro das meias, com medo de encarar a estação escura e pouco amigável.

Muitos acabam por ter medo do que virá, mas o Outono, na verdade, pouco se importa com isso, faz exatamente a sua função, chega fechando as portas, desligando o som e expulsando todos de seus divertimentos.

Ele não é como a Primavera, que é aquela menina doce e meiga, que chega de mansinho, esquentando não só o tempo como os corações, distribuindo flores e cores, demonstrando que veio para prenunciar algo de bonito e especial para o futuro, o Verão!

Na verdade, o Outono vê a Primavera com a inocência que ela carrega, sabendo ser somente dele a dura função de acabar com o calor, e de comunicar que daqui para frente tudo serão pétalas, só que caídas ao chão.

O mais notável é que ele não está nem aí. É a maturidade mais do que vivenciada, que já não se preocupa com a opinião alheia, pouco se importando se vai agradar ou não, apenas exercendo aquilo para o qual foi destinado.

O que se sabe com clareza é que ele tem a sua função, e é obrigado a exercê-la, não importa quem queira, ou ainda, se goste ou não, ele estará lá de qualquer maneira.

Olhando para trás e vendo o que ele alterou, ou para frente, o que ele pré-anuncia, não se sabe como pode manter tamanha distinção no executar de suas obras.

Há quem se arrisque a agradecer a sua chegada, mas não há quem sustente tal postura, quando as garoas finas e geladas que somente molham após a queda insistente de diversos pingos no mesmo lugar, acabam por barrear as ruas, estragando os sapatos e sujando os beirais das portas.

É quase impossível suportá-lo!

Quando ainda consegue contar com o privilégio da participação do Sol, há quem o considere um pouco mais simpático do que aparentemente deveria ser, podendo até mesmo ser reverenciado como portador de certo charme em particular.

As quedas dos plátanos alaranjados contribuem com esse toque de encanto que ele garante possuir.

Dessa forma, chega até ser considerado como o bom mensageiro, abrindo as portas de forma agradável para o álgido que se apresentará premente.

Os mais pacientes e psicologicamente profundos conseguem perceber tais características, mas os mais superficiais tem nele o verdadeiro estraga-prazeres.

É o bedel da escola que não faz questão de ser simpático, e que querendo ou não, sabe-se que fechará os portões impreterivelmente às seis horas e cinquenta e nove minutos.

Ou ainda, aquele tio velho e chato que na festa de Natal, fica cutucando pelo braço a noite toda e cuspindo resto de alimentos enquanto conta com a boca cheia as piadas sujas que aprendeu naquele ano, mas que na verdade, ninguém tem coragem de não convidá-lo.

A ironia é que num determinado momento nem você, nem o tio e nem o bedel estarão mais lá, mas o Outono sim. Ele permanecerá, demonstrando que contra ele não se faz distinção e nem ofensa, ele é acima de tais detalhes, ele tem uma função e a exercerá.

Não importa como na verdade o encare, o que se sabe é que ele existe e é eterno.

Virando e mexendo, chegando ou saindo, ano após ano ele estará lá, às vezes mais quente, às vezes mais úmido e frio, mas exercendo de forma categórica aquilo que ele veio ser.

Para a alegria de alguns e tristezas de outros, a sua presença é inexorável, fechando as portas do passado e anunciando de maneira lúgubre e gélida o futuro, cabendo aos meros expectadores, reconhecer que, à sua maneira taciturna, ele consegue com objetivo e eficiência se comunicar de forma honesta e verdadeira, dando o recado do qual é mensageiro: O Inverno está chegando!

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